As vantagens para as crianças e jovens dos 5 aos 19 anos em viver e crescer nas cidades têm vindo a diminuir nas últimas duas décadas um pouco por todo o mundo. Quem o afirma é o mais recente estudo liderado pelo Imperial College London, publicado na prestigiada revista científica Nature, e do qual são coautores o nutricionista José Camolas e o psicólogo Osvaldo Santos, docentes convidados da Faculdade de Medicina de Lisboa e investigadores do Instituto de Saúde Ambiental.
O estudo avaliou a altura de 71 milhões de crianças e adolescentes de mais de 200 países nos últimos 30 anos e concluiu que crescer numa cidade, em comparação com o meio rural, já não traz uma vantagem em termos de altura. Ou seja, já não traz, porque no passado trazia. De facto, nos anos 90, quem vivia e crescia nas cidades era mais alto. Nalguns casos, como em países da América Latina, no este e sudoeste da Ásia, da Europa central e ocidental e da África subsariana, essa diferença chegava a ser de 5,0 cm.
Estará a altura dos jovens citadinos a diminuir ou a dos jovens rurais a aumentar? Anu Mishra, autor principal do estudo, esclarece: embora «as cidades continuem a oferecer benefícios consideráveis de saúde para as crianças e adolescentes, na maioria das regiões, o meio rural está a aproximar-se do meio urbano, graças à modernização da rede de saneamento e do melhoramento do sistema alimentar e nutricional, e também dos cuidados de saúde».
Altos e baixos
Embora este estudo seja um testemunho do esforço que os países têm feito no melhoramento das condições de vida nos meios rurais, a verdade é que há exceções. É o caso dos rapazes na maioria dos países da África subsariana e em alguns países da Oceânia, Ásia do Sul, região central da Ásia, Médio Oriente e norte de África, onde as crianças urbanas continuam a ser mais altas do que as rurais. Nalguns casos, aquelas que vivem em meio rural chegaram mesmo a diminuir a sua altura.
Há, porém, outras exceções. Por exemplo, em muitas regiões da América Latina e Caraíbas, observa-se um aumento da altura nas sucessivas gerações de crianças que vivem em meio rural, aproximando-se da altura média das crianças urbanas. É o caso de países com economias emergentes como o Chile e o Brasil. Segundo Majid Ezzati, professor na Escola de Saúde Pública do Imperial College of London, os progressos alcançados por estes países devem-se sobretudo ao «uso de recursos disponibilizados pelo crescimento económico no financiamento de programas de nutrição e de saúde, quer nas escolas quer na comunidade».
Diminuir as desigualdades é o caminho
A diferença de altura entre crianças e adolescentes que vivem em meio urbano e em meio rural são, portanto, um indicador das desigualdades que existem em termos de condições de vida, saneamento, alimentação e cuidados de saúde. No Ruanda, por exemplo, esta diferença era de cerca de 4 cm em 2020; na República Democrática do Congo, na Etiópia e em Moçambique, ela variava entre 2,0 e 3,5 cm. Todos estes países apresentam um índice de desenvolvimento humano baixo, de acordo com o mais recente Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
O que pode, então, ser feito? «A questão não é tanto se as crianças vivem ou não em cidades, mas sim onde vivem as pessoas pobres e se os governos estão a ser capazes de enfrentar as crescentes desigualdades com ações concretas como o rendimento mínimo garantido e programas de alimentação escolar gratuita», diz Majid Ezzati, autor sénior do estudo. Eventos como a guerra na Ucrânia e a pandemia de COVID-19 podem exacerbar estas desigualdades, com custos para o crescimento saudável de crianças e adolescentes.
Aos governos e decisores políticos compete implementar as ações e as medidas necessárias para melhorarem efetivamente as condições de vida dos meios rurais, mas também de anteciparem os potenciais riscos globais que podem ameaçar os ganhos de saúde entretanto alcançados.