Os incêndios recentes foram devastadores para as famílias residentes no interior do país. E quais as principais repercussões para a fauna e flora? A Doutora Joana Costa, investigadora do ISAMB, comenta as principais causas e consequências dos incêndios de um verão que parece não querer acabar.
- A Comissão Europeia (mais concretamente o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais) revelou que só em Outubro deste ano arderam cerca de 250 mil hectares de floresta, o equivalente ao tamanho do distrito de Lisboa. Como é possível que os incêndios se tenham alastrado e tomado proporções tão grandes?
Foram vários os factores de ordem natural que contribuíram para a progressão descontrolada dos incêndios florestais deste Verão. É importante percebermos o tipo de floresta que temos em Portugal. Grande parte do país encontra-se florestada com espécies altamente combustíveis, também designadas por alguns autores como espécies pirómanas. As resinas dos pinheiros e os óleos essenciais dos eucaliptos são extremamente inflamáveis. Mas o eucalipto traz ainda dois problemas adicionais: as projecções das cascas dos troncos até algumas centenas de metros de distância numa situação de incêndio e o esgotamento da água disponível no solo. Algumas das áreas afectadas pelos incêndios deste Verão tinham também povoamentos densos de acácias ou mimosas, as quais produzem enormes quantidades de biomassa, altamente inflamável. A esta floresta inflamável temos de juntar a gestão e manutenção pouco eficazes dos espaços florestais públicos e privados, quer seja pela não limpeza das matas, quer pelo défice de vigilância no terreno. Por fim, mais de 80% do país encontra-se, neste momento, em seca severa. Não só a precipitação registada durante este ano foi inferior aos valores médios, como as temperaturas médias têm sido superiores ao habitual. São várias as projecções que apontam para o agravamento desta situação até ao final do século, como resultado das alterações climáticas. Conjugando uma floresta altamente inflamável com um estado de seca severa estão criadas as condições para que a progressão de qualquer incêndio seja rápida e facilmente atinja proporções incontroláveis.
- Que repercussões têm os incêndios para a fauna e flora da floresta?
São várias as consequências negativas dos incêndios para a fauna e flora florestais. Como é sabido, as florestas são os maiores sorvedouros de dióxido de carbono no planeta e são “fábricas” de oxigénio. Portanto, a destruição da floresta significa um aumento da poluição atmosférica e acumulação de gases de efeito de estufa na atmosfera, com consequências óbvias para todos os seres vivos. A floresta serve de abrigo a inúmeros animais. Portanto, uma série de espécies animais perderam os seus abrigos e as fontes de alimento, o que conduz a sérios desequilíbrios nas cadeias alimentares. No caso das espécies animais mais vulneráveis, a destruição do habitat pode mesmo representar uma ameaça séria à sua conservação. O mesmo se aplica às plantas. Após um incêndio, existem espécies vegetais que regeneram imediatamente e que ocupam os espaços que foram deixados vazios pela passagem do fogo. Aquelas que não são tão rápidas neste processo vêem o seu estabelecimento nestes locais comprometido. E é muito importante que tenhamos em conta uma das principais causas da perda de biodiversidade: as invasões biológicas. Quero com isto dizer, espécies de uma região geográfica diferente (país ou continente) que são capazes de se reproduzir com sucesso, espalhar-se e ocupar extensas áreas sem a intervenção humana. Esta é uma ameaça séria depois dos incêndios. Por exemplo, as mimosas são originárias da Austrália (tal como o eucalipto) e produzem milhares de sementes que ficam armazenadas no solo até terem oportunidade de germinar. Após um incêndio, estas sementes são das primeiras a germinar no local onde estiverem. Como têm um crescimento muito rápido e as suas raízes libertam compostos químicos que impedem o crescimento de outras espécies à sua volta, estabelece-se muito rapidamente um acacial, resultando numa zona pobre em biodiversidade. Podemos pensar ainda na fauna e flora aquáticas. Com a erosão dos solos decorrente das primeiras chuvas após os incêndios, os cursos de água ficarão com bastante mais partículas em suspensão e a quantidade de oxigénio na água diminui bastante. Como resultado, é expectável um aumento da mortalidade de peixes e outros organismos que habitem nessas águas.
- Quais as medidas de prevenção a serem tomadas para salvaguarda das nossas florestas?
Julgo que a mais importante de todas passa por repensar a política de ordenamento florestal com base em conhecimento científico sólido. É crucial que fora das grandes zonas de produção da fileira da celulose, portanto em terrenos públicos e de proprietários privados, se aposte numa floresta a longo prazo. Isto implica que se abandone o cultivo de espécies de crescimento rápido, como o eucalipto, e se aposte em espécies menos combustíveis, como os carvalhos, medronheiros, castanheiros, sobreiros, entre outras. Medidas concertadas de gestão da floresta, que devem incluir processos mais eficientes de vigilância e limpeza das mesmas, são fundamentais. Penso também que a sensibilização e prevenção ambientais devem começar desde logo nos primeiros anos de escolaridade e serem trazidas ao público, em geral em horário nobre.
- O que são plantas autóctones e qual a importância dessa espécie para as florestas?
Espécies autóctones são aquelas que são originárias de um determinado território. No caso de Portugal, as espécies florestais autóctones incluem os carvalhos, sobreiros, azinheiras, loureiros, medronheiros, azereiros, entre outras. Estas espécies são importantes porque são aquelas que estão melhor adaptadas às condições do solo, clima, pragas, doenças, entre outros factores característicos do nosso território. Não sendo espécies com tanto potencial combustível, estas contribuem para a diminuição da velocidade de propagação dos incêndios florestais. Além disso, nenhuma espécie está isolada. Estas árvores estabelecem inúmeras interacções com outras espécies, quer animais quer vegetais. Portanto, o equilíbrio destas interacções e a manutenção da diversidade de espécies e da diversidade genética para cada espécie depende da manutenção das florestas autóctones. Importa ainda dizer que, apesar de terem um crescimento mais lento, estas florestas são altamente produtivas e rentáveis a longo prazo: cortiça, madeira de elevada qualidade, frutos silvestres, cogumelos, etc.
A Quercus em parceria com os CTT lançaram uma campanha designada por “Uma árvore pela floresta”, que visa a plantação de árvores de espécies autóctones em várias matas do país, especialmente nas zonas ardidas. Para dar o seu contributo terá apenas que se deslocar a uma das lojas CTT (aqui listadas) e comprar uma árvore, pela módica quantia de 3€, até dia 31 de Dezembro. Ser-lhe-á dado um código de registo que lhe permitirá acompanhar a evolução da sua árvore. Não deixe escapar a oportunidade de ter um papel activo na reconstrução da nossa floresta!