Novas orientações permitem melhorar os cuidados médicos prestados às pessoas com demência

Em 2019, 20 milhões de pessoas foram diagnosticadas com demência. Esta é a estimativa que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) apresenta no relatório Health at a Glance 2019, que avalia o estado da Saúde dos 36 países que integram esta organização. Caso se mantenha a tendência de crescimento dos últimos anos, prevê-se que, em 2050, o número duplique, atingindo os 41 milhões.

Em Portugal, as estimativas são igualmente preocupantes. Estima-se que, em 2050, 3,8% da população venha a ter algum tipo de demência, indica o relatório Dementia in Europe Yearbook 2019. Porém, o motivo não é o aumento da população (prevê-se até um decréscimo), mas sim o aumento do número de pessoas com mais de 70 anos e, em particular, com mais de 85 anos, que irá duplicar entre 2018 e 2050.

A idade é, pois, o principal factor de risco. Em termos globais, nas pessoas com entre 65 e 69 anos, a prevalência de demência é de 2,3%. Nas pessoas com 90 ou mais anos, o número sobe para os 42%. No entanto, e apesar da demência andar de mãos dadas com o envelhecimento, a verdade é que há pessoas diagnosticadas com demência com menos de 65 anos. Por exemplo, em Portugal, só em 2018 foram diagnosticas 5371 pessoas com demência com idades compreendidas entre os 30 e os 59 anos.

Para além da incapacitação progressiva do próprio, as implicações vão desde a prestação de cuidados médicos até ao suporte social e familiar. Embora sem qualquer tratamento disponível, vários países têm vindo a investir nos sistemas de saúde e de apoio social no sentido de melhorar a qualidade de vida das pessoas com demência e dos seus cuidadores. Portugal, por exemplo, aprovou, em 2018, a Estratégia da Saúde na Área das Demências, embora falte ainda concretizar os planos regionais de saúde. Têm também sido feitas campanhas no sentido de uma maior consciencialização e esclarecimento sobre a doença, da qual é exemplo Amigos na Demência, contribuindo deste modo para a desaparecimento do estigma.

No entanto, vários estudos indicam que a qualidade dos cuidados de saúde que são prestados às pessoas com demência precisa de ser melhorada. Para Ana Verdelho, professor convidada de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, esta necessidade de melhorar a qualidade desses cuidados deve-se a vários factores: «Por um lado, os doentes com demência podem não ter uma completa percepção do seu estado de saúde, ou ter dificuldade em formular as suas queixas, e podem até, por isso, recorrer menos aos serviços de saúde. Por outro lado, pode existir um constrangimento, do ponto de vista dos técnicos de saúde, em relação a possíveis efeitos secundários dos fármacos, das complicações decorrentes da polimedicação, ou até de intervenções mais agressivas, ou ainda da incerteza do benefício expectável num dado doente.»

Segundo Ana Verdelho, que é também investigadora no Instituto de Medicina Molecular e no Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, há, portanto, dois eixos principais de intervenção. Um ao nível do acesso aos serviços de saúde por parte das pessoas com demência e outro ao nível dos cuidados de saúde prestados, quer primários quer secundários. Foi, pois, justamente com o objectivo de uniformizar e, por conseguinte, melhorar estes cuidados médicos que dezasseis especialistas, de 11 países europeus, incluindo Portugal, decidiram elaborar um estudo, publicado recentemente no European Journal of Neurology, que resultasse num conjunto de orientações clínicas baseadas na melhor evidência científica disponível, ainda que, como esclarece Ana Verdelho, uma das autoras do estudo, a evidência científica da eficácia dos tratamentos comuns aplicados a pessoas com demência seja «escassa» e que, justamente por isso, «pode originar uma variabilidade nos tratamentos de alguns problemas clínicos».

Este estudo incluiu questões relacionadas com o acompanhamento médico de pessoas com demência, os factores de risco vascular, a dor, o uso de antipsicóticos e a epilepsia. A questão do uso de antipsicóticos no tratamento da agitação ou do comportamento agressivo em pessoas com demência é particularmente relevante, pois é algo ao qual o relatório Health at a Glance 2019 dá especial destaque. Segundo este relatório, «embora os antipsicóticos reduzam os sintomas comportamentais e psicológicos que afectam muitas pessoas com demência, a existência de intervenções não-farmacológicas eficazes, bem como os riscos para a saúde associados e os aspectos éticos da medicação antipsicótica, significa que eles devam ser recomendados apenas como último recurso».

De facto, os autores do estudo salientam que o uso de antipsicóticos como forma de tratamento da agitação e de comportamentos agressivos, na ausência de sintomas psicóticos, acabam por ter um efeito sedativo. Ademais, comporta ainda um aumento do risco de morbilidade e mortalidade. Por conseguinte, os especialistas recomendam (ainda que a evidência, a este propósito, seja fraca) que estes doentes devem ser tratados com antipsicóticos atípicos apenas quando todas as outras abordagens não-farmacológicas provarem não terem sido bem-sucedidas ou em casos em que se verifica a existência de comportamentos lesivos para o próprio ou para os outros considerados graves.

Na opinião de Ana Verdelho, estas orientações podem ser de grande utilidade para os clínicos que trabalham nos cuidados de saúde primários e secundários, pois permite-lhes que tomem uma decisão clínica informada que vise melhorar efectivamente a saúde e a qualidade de vida das pessoas com diagnóstico de demência, independentemente da sua causa.

ISAMB/FMUL

Leave a Comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *